segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Limpeza étnica na Republica Checa.

Hoje eu quero falar sobre algo que me deixa realmente transtornada.

Nós, comunidades ciganas, carregamos um jugo, um rótulo, vivendo debaixo de olhares de desdém, punição, e perdoem me o termo, muitas das vezes, olhares de nojo. 

Eu não gosto de vestir o papel de vitima, até porque tenho noção de que na minha comunidade existem pessoas que simplesmente são maus seres humanos. Mas isso existe em todo o mundo, em qualquer comunidade. 

O facto de ser mal educado, má pessoa, agressivo, o que for, não é uma característica étnica. É mau carácter e carência de valores humanos. A diferença está em que eu tenho essa noção e o admito. O mundo não.

Sei que a nossa situação não está “famosa” em lado nenhum, e que os passos em prol da aceitação e aproximação  são ainda, pequenos.
No entanto, o que aconteceu, e ainda acontece, no país da Republica Checa é algo que me deixa palavras.

A minha prima Soraya alertou-me para eu abrir os olhos sobre o que se estava a passar por lá, e foi graças a ela que comecei a pesquisar, procurar, perguntar, e juro-vos que o meu estudo ficou pela metade. Fiquei tão incomodada, tão... ah... nem vale a pena comentar.

A vida e chegada dos Roma (ciganos) à Republica Checa, não se diferencia em nada dos casos de outros nossos irmãos em outros países.
Olhados de lado, marginalizados pelas suas roupas coloridas, língua diferente e vida nómada. Necessitavam de uma autorização superior para poderem pernoitar em algum campo com as suas caravanas.

 Considerados como bons trabalhadores, muito poucos tinham emprego. E os que tinham trabalhos, eram muito mal pagos. O que gerava que muitos iniciassem os seus próprios trabalhos como videntes, músicos, e outros, infelizmente, roubando para comer.

O período mais negro para os ciganos checos, logicamente foi com a II Guerra Mundial em que foram forçados a trabalhar em campos de concentração, vivendo subjugados como muitos sabemos, pelos horrores que ciganos, judeus, negros e entre outros, tiveram que viver.

De uma população aproximadamente de 7.500 roma, apenas 301 ciganos sobreviveram ao holocausto. 


Segundo dizem, os comunistas trabalharam na integração dos Roma na sociedade Checa. Só que a maneira que os ciganos foram “educados” foi inevitavelmente, de uma maneira comunista. 

O que significa que todos os ciganos que foram parcialmente integrados em empregos e em escolas, foram obrigados a abandonar os seus costumes, proibidos de praticarem a sua língua e de usarem as ruas roupas coloridas e adornos. Os que não aceitaram essa proposta, continuaram a fazer do nomadismo, o seu modo de vida.


Os que estavam “integrados”, continuavam a serem vistos como escumalha. Com empregos, (mal pagos) com filhos na escola, sem praticarem a sua língua e sem usar as roupas que eles gostavam,  continuaram porém, a serem postos de lado.

Após a queda do Comunismo os ciganos foram deixados sem qualquer tipo de apoio na sociedade. Isso impossibilitou que muitas crianças fossem aceites nas escolas e os empregadores deixaram de empregar ciganos.

Hoje, a taxa de desemprego dos ciganos na Republica Checa alcança os 70%. Muitos começaram a imigrar para o Canadá, Europa Ocidental e Reino Unido.

O Reino Unido cria então uma legislação onde cita que não podem aceitar mais ciganos, e todos os que embarcam de Praga para Londres, são enviados de volta.

Sarkozy expulsa mais de 20 mil em França.

Tive o prazer de conhecer ciganos que são mediadores culturais e que vinham destes países como Republica Checa, Roménia e Bulgária quando eu estive em Bruxelas.

 Disseram-nos que os seus salários não sobre passavam os 60 euros. E falamos de homens casados e com filhos.


O que é que o mundo espera de nós? Qual é a reação que as pessoas esperam de nós perante estes factos?
Ainda na Republica Checa, em 1998 foi construído um muro com o objetivo de separar os ciganos da população maioritária. 

Muitos defensores dos direitos humanos criticaram de tal forma essa ação, que o muro foi derrubado pouco depois de ter sido erguido. Mas a questão é que foi erguido.

Os grupos neonazis agridem constantemente elementos das comunidades ciganas deixando-os moribundos pelas ruas da cidade. As “casas” são repetidamente destruídas por bombas caseiras, ou incendiadas. 

Estas coisas não vemos nos telejornais. Mas se 3 ciganos assaltarem um café,  a SIC e o Jornal de Notícias vão logo a correr.

Falamos de um grupo de pessoas que vivem no limite da pobreza e que estão extremamente excluídos da sociedade. Possivelmente muitos homens adultos tenham imigrado para outro país para ajudar a família, ou que simplesmente estejam em instituições prisionais. O que deixa muitas mulheres e idosos desprotegidos. 

Digo isto porque, se essas coisas acontecessem cá não ficaria assim. Aqui as pessoas continuam a achar que somos parasitas da sociedade, que o Hitler deveria era de ter acabado com nós todos e que uma esterilização seria uma excelente ideia. Acontece é que cá, as pessoas dizem estas atrocidades atrás de monitores dos seus computadores. 


Falam sobre isso bem baixinho com as suas colegas de trabalho quando vão tomar um cafézinho. Cá, ninguém “os tem no sitio” de dizer-nos isso à cara. E quem os tenha, saberá que nós estamos aqui para proteger-nos uns aos outros.

Centenas de mulheres ciganas na Republica Checa ficaram esterilizadas sem elas mesmas saberem.
Iveta, foi uma das poucas ciganas com coragem de falar com uns jornalistas sobre o que ela viveu.
O jornalista perguntou-lhe o que tinha acontecido às suas trompas de falópio. 

Iveta com lágrimas a correr pelo rosto, apanhou um papel que estava no chão, e o amassou com a sua mão. Segundos depois abre a mão, e apresenta ao jornalista o papel todo amassado. E disse:

“Foi isto que fizeram comigo.”


As mulheres ciganas entram nos hospitais em trabalho de parto. No meio das contrações as enfermeiras levam até elas um documento. Dizem que é de extrema importância que elas assinem esse documento.

A maioria das mulheres ciganas na Republica Checa não sabem ler. Assinam o documento sem saber do que se trata e são levadas para os quartos.
A maioria destes partos são cesarianas (grande parte, desnecessárias). Deixam as mulheres em trabalho de parto durante horas.

Iveta conta mais um pouco da sua experiência, dizendo que o médico marcou a cesariana logo à primeira hora da manhã do dia seguinte. Quando ela acordou da sua cesariana, um médico do turno anterior estava a fazer as rondas pelos quartos, quando entrou no quarto de Iveta e leu o seu relatório disse que não entendeu o porque de ela ter passado por uma cesariana. 


Nesse momento o médico de Iveta entra no quarto, e diz para o colega que, a cesariana foi totalmente justificada.

Iveta também viveu a experiência das enfermeiras com os papéis para ela assinar. Mas ela conta que estava a sofrer tanto com as dores que ignorou-as por completo. O médico quando a recolheu para a cesariana perguntou se tinha assinados os ditos papéis. 

Iveta diz que não. O médico ficou de mal humor e gritou para que alguém lhe trouxessem os documentos.
Iveta diz que uma enfermeira picou-a 3 vezes com uma agulha, assinou o documento, contou até 5, e adormeceu.


Quando acordou, sentia muitas dores na zona do seu estômago. Disseram-lhe que tinha tido uma menina muito bonita com 2,75 quilos e 47 centímetros, e que tinha sido esterilizada.
Ela tinha muito sono, muitas dores, voltou a adormecer sem pensar no assunto.

Não foi por muito tempo, porque uma vontade incontrolável de vomitar se apoderou dela. E assim foi por 3 dias, sem ela ainda se ter apercebido do que tinha acontecido.

A mãe de Iveta, de brincadeira com a filha, pergunta-lhe quando é que ela irá ter outro filho.


Iveta diz que não tão cedo, que por muitos anos não irá ter filhos, porque segundo o que percebeu, a enfermeira colocou-lhe um método de contraceptivo muito forte. 

(A ignorância e falta de informação de Iveta não me dá pena nem vergonha. O que me dá pena é o facto que existem pessoas que se aproveitam disso para praticarem a crueldade)


“Enfermeira qual é o nome desse contracetivo tão forte que você me deu?”

Ao que a enfermeira responde:

“Não é nenhum método contracetivo, foste esterilizada, não terás mais filhos.”


Tratam as mulheres como se fossem cadelas. E bem, depende das cadelas, porque em minha casa os animais vivem feito réis. 

Só aí Iveta se apercebeu da dimensão do sucedido.
“Nenhum médico me perguntou se eu queria ser esterilizada, sou muito jovem, tenho 28 anos, queria ter tido mais filhos.”

O testemunho de Iveta é de 1997, contudo em 2006 Helena conta-nos exatamente a mesma história. Estas práticas já existem desde o domínio comunista que esterilizou sem consentimento a milhares de mulheres ciganas, cuja descendência era indesejada. Uma limpeza étnica, daquelas bem gostosas.
Helena foi esterilizada com 19 anos.


A Educação não é melhor. Centenas de escolas rejeitam as matriculas de crianças ciganas.
As poucas escolas que, aceitam algumas matriculas, sinalizam  desproporcionalmente as crianças para o ensino especial, alegando que possuem uma deficiência intelectual.

Na Republica Checa, cerca de 33% das crianças ciganas estão colocadas em escolas de ensino especial.

2% são crianças que não são ciganas.

(Se o 98% das pessoas são inteligentes, belíssimas, saudáveis, capacitadas, e fazem estas coisas, imagino se o número fosse menor. Nem quero pensar)


Eu já tive esta discussão várias vezes com imensas pessoas. Lógico que há crianças ciganas que revelam necessidades especiais. Claro que sim, infelizmente as doenças não escolhem idades nem cor de pele. Eu mesma já conheci algumas crianças ciganas que sim, necessitam que estejam e sejam sinalizadas.

Mas muitas destas crianças, injustamente sinalizadas como deficientes, apenas precisam de estudar, de apoio pedagógico, de professores com vocação,  e principalmente, de pais responsáveis.
Mas não confundam falta de escolaridade, falta de conhecimento, falta de aprendizagem, com deficiência por favor.


Deficientes são as pessoas que vomitam as suas frustrações pessoais/profissionais, que despejam esses discursos para um poço chamado “ciganos”. 
Que já  agora aproveito para dizer, que esses “poços” dão dinheiro e empregos a muita gente que não é da comunidade cigana. Por isso, menos arrogância por favor.






"Se mais vozes se ouvisse, os silêncios deixavam de ser escutados."


Tânia.

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