Hoje eu quero falar sobre algo que me deixa realmente
transtornada.
Nós, comunidades ciganas, carregamos um jugo, um rótulo,
vivendo debaixo de olhares de desdém, punição, e perdoem me o termo, muitas das
vezes, olhares de nojo.
Eu não gosto de vestir o papel de vitima, até porque
tenho noção de que na minha comunidade existem pessoas que simplesmente são maus
seres humanos. Mas isso existe em todo o mundo, em qualquer comunidade.
O facto
de ser mal educado, má pessoa, agressivo, o que for, não é uma característica
étnica. É mau carácter e carência de valores humanos. A diferença está em que
eu tenho essa noção e o admito. O mundo não.
Sei que a nossa situação não está “famosa” em lado nenhum, e
que os passos em prol da aceitação e aproximação são ainda, pequenos.
No entanto, o que aconteceu, e ainda acontece, no país da
Republica Checa é algo que me deixa palavras.
A minha prima Soraya alertou-me para eu abrir os olhos sobre
o que se estava a passar por lá, e foi graças a ela que comecei a pesquisar,
procurar, perguntar, e juro-vos que o meu estudo ficou pela metade. Fiquei tão
incomodada, tão... ah... nem vale a pena comentar.
A vida e chegada dos Roma (ciganos) à Republica Checa, não
se diferencia em nada dos casos de outros nossos irmãos em outros países.
Olhados de lado, marginalizados pelas suas roupas coloridas,
língua diferente e vida nómada. Necessitavam de uma autorização superior para
poderem pernoitar em algum campo com as suas caravanas.
Considerados como bons
trabalhadores, muito poucos tinham emprego. E os que tinham trabalhos, eram
muito mal pagos. O que gerava que muitos iniciassem os seus próprios trabalhos
como videntes, músicos, e outros, infelizmente, roubando para comer.
O período mais negro para os ciganos checos, logicamente foi
com a II Guerra Mundial em que foram forçados a trabalhar em campos de
concentração, vivendo subjugados como muitos sabemos, pelos horrores que
ciganos, judeus, negros e entre outros, tiveram que viver.
De uma população aproximadamente de 7.500 roma, apenas 301
ciganos sobreviveram ao holocausto.
Segundo dizem, os comunistas trabalharam na integração dos
Roma na sociedade Checa. Só que a maneira que os ciganos foram “educados” foi
inevitavelmente, de uma maneira comunista.
O que significa que todos os ciganos
que foram parcialmente integrados em empregos e em escolas, foram obrigados a
abandonar os seus costumes, proibidos de praticarem a sua língua e de usarem as
ruas roupas coloridas e adornos. Os que não aceitaram essa proposta,
continuaram a fazer do nomadismo, o seu modo de vida.
Os que estavam “integrados”, continuavam a serem vistos como
escumalha. Com empregos, (mal pagos) com filhos na escola, sem praticarem a sua
língua e sem usar as roupas que eles gostavam,
continuaram porém, a serem postos de lado.
Após a queda do Comunismo os ciganos foram deixados sem
qualquer tipo de apoio na sociedade. Isso impossibilitou que muitas crianças
fossem aceites nas escolas e os empregadores deixaram de empregar ciganos.
Hoje, a taxa de desemprego dos ciganos na Republica Checa
alcança os 70%. Muitos começaram a imigrar para o Canadá, Europa Ocidental e
Reino Unido.
O Reino Unido cria então uma legislação onde cita que não
podem aceitar mais ciganos, e todos os que embarcam de Praga para Londres, são
enviados de volta.
Sarkozy expulsa mais de 20 mil em França.
Tive o prazer de conhecer ciganos que são mediadores
culturais e que vinham destes países como Republica Checa, Roménia e Bulgária
quando eu estive em Bruxelas.
Disseram-nos que os seus salários não sobre passavam os 60 euros. E falamos de homens casados e com filhos.
O que é que o mundo espera de nós? Qual é a reação que as
pessoas esperam de nós perante estes factos?
Ainda na Republica Checa, em 1998 foi construído um muro com
o objetivo de separar os ciganos da população maioritária.
Muitos defensores
dos direitos humanos criticaram de tal forma essa ação, que o muro foi
derrubado pouco depois de ter sido erguido. Mas a questão é que foi erguido.
Os grupos neonazis agridem constantemente elementos das
comunidades ciganas deixando-os moribundos pelas ruas da cidade. As “casas” são
repetidamente destruídas por bombas caseiras, ou incendiadas.
Estas coisas não
vemos nos telejornais. Mas se 3 ciganos assaltarem um café, a SIC e o Jornal de Notícias vão logo a
correr.
Falamos de um grupo de pessoas que vivem no limite da
pobreza e que estão extremamente excluídos da sociedade. Possivelmente muitos
homens adultos tenham imigrado para outro país para ajudar a família, ou que
simplesmente estejam em instituições prisionais. O que deixa muitas mulheres e
idosos desprotegidos.
Digo isto porque, se essas coisas acontecessem cá não
ficaria assim. Aqui as pessoas continuam a achar que somos parasitas da
sociedade, que o Hitler deveria era de ter acabado com nós todos e que uma
esterilização seria uma excelente ideia. Acontece é que cá, as pessoas dizem
estas atrocidades atrás de monitores dos seus computadores.
Falam sobre isso
bem baixinho com as suas colegas de trabalho quando vão tomar um cafézinho. Cá,
ninguém “os tem no sitio” de dizer-nos isso à cara. E quem os tenha, saberá que
nós estamos aqui para proteger-nos uns aos outros.
Centenas de mulheres ciganas na Republica Checa ficaram
esterilizadas sem elas mesmas saberem.
Iveta, foi uma das poucas ciganas com coragem de falar com
uns jornalistas sobre o que ela viveu.
O jornalista perguntou-lhe o que tinha acontecido às suas
trompas de falópio.
Iveta com lágrimas a correr pelo rosto, apanhou um papel
que estava no chão, e o amassou com a sua mão. Segundos depois abre a mão, e
apresenta ao jornalista o papel todo amassado. E disse:
“Foi isto que fizeram comigo.”
As mulheres ciganas entram nos hospitais em trabalho de
parto. No meio das contrações as enfermeiras levam até elas um documento. Dizem
que é de extrema importância que elas assinem esse documento.
A maioria das mulheres ciganas na Republica Checa não sabem
ler. Assinam o documento sem saber do que se trata e são levadas para os
quartos.
A maioria destes partos são cesarianas (grande parte,
desnecessárias). Deixam as mulheres em trabalho de parto durante horas.
Iveta conta mais um pouco da sua experiência, dizendo que o
médico marcou a cesariana logo à primeira hora da manhã do dia seguinte. Quando
ela acordou da sua cesariana, um médico do turno anterior estava a fazer as
rondas pelos quartos, quando entrou no quarto de Iveta e leu o seu relatório
disse que não entendeu o porque de ela ter passado por uma cesariana.
Nesse
momento o médico de Iveta entra no quarto, e diz para o colega que, a cesariana
foi totalmente justificada.
Iveta também viveu a experiência das enfermeiras com os
papéis para ela assinar. Mas ela conta que estava a sofrer tanto com as dores
que ignorou-as por completo. O médico quando a recolheu para a cesariana
perguntou se tinha assinados os ditos papéis.
Iveta diz que não. O médico ficou
de mal humor e gritou para que alguém lhe trouxessem os documentos.
Iveta diz que uma enfermeira picou-a 3 vezes com uma agulha,
assinou o documento, contou até 5, e adormeceu.
Quando acordou, sentia muitas dores na zona do seu estômago.
Disseram-lhe que tinha tido uma menina muito bonita com 2,75 quilos e 47
centímetros, e que tinha sido esterilizada.
Ela tinha muito sono, muitas dores, voltou a adormecer sem
pensar no assunto.
Não foi por muito tempo, porque uma vontade incontrolável de
vomitar se apoderou dela. E assim foi por 3 dias, sem ela ainda se ter
apercebido do que tinha acontecido.
A mãe de Iveta, de brincadeira com a filha, pergunta-lhe
quando é que ela irá ter outro filho.
Iveta diz que não tão cedo, que por muitos anos não irá ter
filhos, porque segundo o que percebeu, a enfermeira colocou-lhe um método de
contraceptivo muito forte.
(A ignorância e falta de informação de Iveta não me
dá pena nem vergonha. O que me dá pena é o facto que existem pessoas que se
aproveitam disso para praticarem a crueldade)
“Enfermeira qual é o nome desse contracetivo tão forte que
você me deu?”
Ao que a enfermeira responde:
“Não é nenhum método contracetivo, foste esterilizada, não
terás mais filhos.”
Tratam as mulheres como se fossem cadelas. E bem, depende
das cadelas, porque em minha casa os animais vivem feito réis.
Só aí Iveta se apercebeu da dimensão do sucedido.
“Nenhum médico me perguntou se eu queria ser esterilizada,
sou muito jovem, tenho 28 anos, queria ter tido mais filhos.”
O testemunho de Iveta é de 1997, contudo em 2006 Helena
conta-nos exatamente a mesma história. Estas práticas já existem desde o
domínio comunista que esterilizou sem consentimento a milhares de mulheres
ciganas, cuja descendência era indesejada. Uma limpeza étnica, daquelas bem
gostosas.
Helena foi esterilizada com 19 anos.
A Educação não é melhor. Centenas de escolas rejeitam as
matriculas de crianças ciganas.
As poucas escolas que, aceitam algumas matriculas,
sinalizam desproporcionalmente as crianças
para o ensino especial, alegando que possuem uma deficiência intelectual.
Na Republica Checa, cerca de 33% das crianças ciganas estão
colocadas em escolas de ensino especial.
2% são crianças que não são ciganas.
(Se o 98% das pessoas são inteligentes, belíssimas,
saudáveis, capacitadas, e fazem estas coisas, imagino se o número fosse menor.
Nem quero pensar)
Eu já tive esta discussão várias vezes com imensas pessoas.
Lógico que há crianças ciganas que revelam necessidades especiais. Claro que
sim, infelizmente as doenças não escolhem idades nem cor de pele. Eu mesma já
conheci algumas crianças ciganas que sim, necessitam que estejam e sejam
sinalizadas.
Mas muitas destas crianças, injustamente sinalizadas como
deficientes, apenas precisam de estudar, de apoio pedagógico, de professores
com vocação, e principalmente, de pais
responsáveis.
Mas não confundam falta de escolaridade, falta de
conhecimento, falta de aprendizagem, com deficiência por favor.
Deficientes são as pessoas que vomitam as suas frustrações
pessoais/profissionais, que despejam esses discursos para um poço chamado
“ciganos”.
Que já agora aproveito para
dizer, que esses “poços” dão dinheiro e empregos a muita gente que não é
da comunidade cigana. Por isso, menos arrogância por favor.
"Se mais vozes se ouvisse, os silêncios deixavam de ser escutados."
Tânia.
hahahaaha muy bueno +1 ;)
ResponderEliminar