Todos temos um gordo que vive dentro de nós, não concorda?
Para mim, comer, considero-o um dos melhores
prazeres do mundo. Eu consigo comer sem fome. Só pelo prazer de comer algo bom
e bem feito.
Morro de ódio daquelas pessoas que
comem...comem.....comem...comem mais um bocadinho... voltam a comer...e não
engordam. Eu tenho um primo assim. Agora não sei como andam os hábitos
alimentares dele, mas ele antes de casar, comia ao pequeno almoço 3 canecas de
café e 8 pães. Vestia um 38. Continua elegante.
Nós temos uma relação de amor/ódio com a comida. Tudo por
causa do gordo que vive em nós.
O meu gordo é excêntrico, quis vir para fora. Já teve as suas
fases de viver na escuridão, tenho esperanças de que ele volte para dentro, mas
de momento ele está a viver a sua excentricidade no mundo exterior.
Dieta para mim significa tristeza, amargura. Eu sou a
pessoas mais infeliz do mundo, a mais mal humorada do planeta, quando estou a dieta. Para eu conseguir
perder 3 quilos com uma dieta tenho de sofrer MUITO. Sou a típica pessoa que
tudo lhe sabe bem. Eu como uma fatia de ananás e engordo um quilo e meio. Eu engordo só com cheirar a comida.
Não vou mentir e ser aquele tipo de pessoas que diz:
“Ai, eu não como nada para ter este peso, me revolto credo,
estou tão gorda/o”
Bitch plz shut up, estás gorda/o como um dinossauro pelo que
comes. Comes muito, engordas. Simples.
Mas é lógico que existem aquelas pessoas com problemas de
tiróide, com metabolismos lentos, retenção de líquidos, hipertensão, tudo isso
são fatores que dificultam a perda peso.
Eu só não tenho problemas de tiróide,
de resto tenho isso tudo. Dificulta, sim, muito. Eu que o diga, mas não é
impossível. Tanto que não é que eu já fui uma pessoa magra. Sofri muito mas
consegui.
Até as pessoas que tem aquele forma física invejável lutam
com o seu gordo interior. Ele fala contigo com aquele coro angelical de fundo:
“Hum... olha aquela pizza...aquela mozzarela....a derreter
lentamente na tua boca.....”
“Oh... olha aquele M do Mcdonald’s a chamar por ti... que
tom de amarelo tão bonito...aqueles nuget’s de frango ...”
“3 da manhã...depois de ver um filme o que é que sabe bem?
Tu sabes...diz lá....aquele preguinho em pão...um medalhão de vaca...mal
passado...temperado com sal grosso, orégãos e pimenta preta...grelhado
lentamente com o fio de azeite e muitos alhos... tostas o pão....o queijo
derrete em cima do bife quente... aquela camada de mostarda. Sim aquela
mostarda de frasquinho que é cara. Não é aquela que a Calvé vende em pacote
de plástico. Não... é aquela de frasquinho pequenino, com a qual sujas um molho
de colheres.”
Omg... te repreendo espírito obeso!!!
(fiquei cheia de fome a escrever isto)
Mas é assim mesmo. Tanto as pessoas magras como as gordas
sabem que eu tenho razão, é assim mesmo.
Eu tenho duas maneiras de agir perante isto:
1. “Tânia... és uma mulher...tens 29 anos...és
nova...não sentes saudades de ser magra e vestir o 38?”
Não como, vou me deitar danada, não consigo
dormir, babo a almofada toda, começa a doer-me a nuca, mudo de canal mil vezes,
brigo com o Rui... sim...tudo isso por eu não ter comido o preguinho.
Ou então:
2. “Tânia...a vida são 2 dias.... é só
hoje...começas a dieta na segunda feira”
E como o preguinho.
Todos os gordos começam as dietas à
segunda-feira, não sei porque. Vemos a segunda feira como aquele dia que nos
irá dar uma força interior, que tudo irá correr e acabar bem, é praticamente o
inicio da semana, tudo vai ser diferente! ... na quarta feira à tarde já comes
um rissol de carne.
Eu adoro comer. Penso que os ciganos tem
uma relação de obsessão pela comida. Tudo anda à volta da comida.
As pessoas que não são ciganas trabalham
pagam rendas, luz, água, tv cabo, comem, vestem-se, vão de férias, vão ao
cinema, passam fins de semana fora...
Os ciganos compram comida, e prontos.
Pagam
a renda, pagam a luz, mas já não dá para a água, então vão fazer um acordo com a
companhia e pagam às pretações. Não vão de férias, não passam fins de semana
fora, o cigano vive ralado. E porque? Por causa da comida.
Podíamos comprar a mostarda do pacote de
plástico. Mas não, compramos a mostarda do frasquinho. As pessoas usam os
medalhões de vaca para almoçar e jantar, não é para lanches à noite.
As pessoas
normais, famílias de 4,5 pessoas compram 8 pãezinhos bem branquinhos, para o
dia todo. Uma família cigana de 5,6 pessoas consomem por volta dos 30/35 pães
diários.
O comer é uma doença para nós. Lembro-me de quando eu fui a um congresso em Bruxelas. Pleno inverno. Houve várias apresentações e participações de convidados distintos. Mas chegou a um ponto em que nós, neste caso os meus queridos amigos, Bruno Gonçalves, Luís Romão e eu, começámos a ficar nervosos. A tremer. Era fome. Estávamos mesmo mal. Já nem ouvíamos as coisas em condições, e começámos a rir de tudo e de todos. Birras de fome mesmo.
Chega o momento esperado, vamos todos jantar. Cerca de mil ciganos dirigem-se às salas destinadas para as refeições. Vemos imensas travessas, mas havia tanto povo que tivemos de esperar pela nossa vez.
Nunca me senti tão chique na minha vida. O hotel onde ficámos hospedados era dos hotéis mais antigos da Bélgica. Ou seja, tudo com aquela decoração vintage que adoro.
Os empregados de smoking, caminhavam com as bandejas feito pinguins, todos muito elegantes.
Nós morrendo de fome com os pratinhos na mão sempre à espera de um buraco entre o povo para poder ir apanhar algo para comer.
Quando finalmente chega a nossa vez, encaramos com umas bandejas de prata e umas tostas com um paté em rosa choque...
Do outro lado mais tostas com um creme em verde alface...
Eu olhei para o meu lado esquerdo e vi uma cigana. O seu craché de identificação dizia que ela era da Grécia. No meu lado direito, estava um cigano. Olhei para identificação e vi que se chamava Éric. Era da Macedónia.
Naquele momento não foi necessário falar, não se sentiu a tristeza de não podermos comunicar devido aos diferentes idiomas. Ficámos estupefactos com aquilo. Os nossos olhares se encontraram, e naquele momento os nossos olhos ciganos, disseram todos a mesma coisa:
"Que fome"
Decidimos então ir comer fora. Saímos do hotel e vimos no placard da rua que a temperatura marcava os 12 graus baixo zero. Um frio de morrer. Sai assim então um grupo de ciganos esfomeados em busca de um restaurante.
O frio fez-me realmente pensar duas vezes. Mas a fome falou mais alto.
- Romão, dá-me a mão.
- Olha esta, uma mão agora, que antiguidade.
- Romão, que morra o teu irmão, dá-me a mão. Não aguento o frio e não tenho luvas.
Encontrámos um Kebab. Entramos e vimos um batalhão de ciganos lá dentro. Não havia nem sequer mesas.
Todos nos começámos a rir. Todos tomámos a mesma atitude. Cigano é cigano seja do país que for.
Como podemos ver, o comer é como um sofrimento para o cigano porque o dinheiro dele acaba todo no Continente e no Pingo Doce. Diria que a maior parte das discussões é por causa de dinheiro.
Para um cigano ir de férias... ui...... saiu-lhe o Euromilhões e ninguém sabe.
Para um cigano ir de férias... ui...... saiu-lhe o Euromilhões e ninguém sabe.
As pessoas que não são ciganas estão a
trabalhar e estão concentradas nisso.
Não
estão minimamente raladas com o jantar de logo à noite. Já deixaram a
descongelar na cozinha 500 gramas de frango para o jantar. Eu fico ougada com
isto. Eu queria esta paz para a minha vida também.
Um cigano está na feira ou no seu local de trabalho
e está a pensar:
“Tenho de ir ao Pingo Doce buscar 2 Kilos de
bifes... faço com arroz.. uma salada...prontos...é o que se arranja. Mas não há iogurtes.. oh pai... ralação...e leite.. também preciso de leite.”
Eu admiro quem saiba comer. Porque quem
sabe comer, geralmente sabe cozinhar.
Eu adoro comer, por isso não é para me gabar,
mas sou uma excelente cozinheira. Não é que faça muitos pratos, mas os que
faço, faço muito bem.
E porque? Porque eu cozinho com calma, lume
brando, sem pressa, e com muitos condimentos. Sal, pimenta, alhos, alho em pó,
noz moscada, coentros, cominhos, paprika, louro, orégãos, manjericão humm nham
nham.
Eu falo com a comida e faço-lhe miminhos enquanto cozinho. Eu tiro a
lasanha do forno e falo com ela:
“Oi oi oi que minita... quem é a lasanha
mais minita do mundo quem é quem é? Pois éeééééé es tu sim senhoriiiii”
O comer tem de sair bom à força.
Mil euros para gastar no shopping ou mil
euros para gastar no super mercado?
Há duvidas? Pegava nos mil euros e ia a correr
para o super mercado do El Corte Inglês.
Eu ando nos corredores do super mercado como
uma criança anda no Toysuru’s. Tal e qual.
Estou no talho e não vejo apenas carne. Eu vejo
os bifes com cogumelos, vejo strogonof, vejo rolo de carne recheado e assado,
vejo cordon blue...
Estou na peixaria e vejo pargo assado,
arroz de tamboril, paelha...
No corredor das massas vejo caril com
arroz, massa bolanhesa...carbonara...
Vejo a Cerelac e imagino-me já a fazê la
com leite, bem grossa, e deixar alguns gruminhos por desfazer.
Eu vejo o sinal do Burguer King e fico com
olhos de adolescente apaixonada.
Isto é paixão pela comida.
Irritam-me aquelas pessoas que comem por
comer. Só pela necessidade.
Estamos num restaurante. A comida chega e eu
já peço o sal sem provar. Não vale a pena provar, já sei que está insonso.
Sente-se no cheiro.
Eu ponho o sal, provo a sopa e observo as
pessoas e mesas do lado.
“Oh esta sopuinha tá tão boa, ai meu Deus, que riqueza, que marabuilha”
Maravilha?....esta sopa sabe a folhas A4!!
Pessoas que não tem qualquer sentido do
que é boa cozinha, e que não possuem nenhum palato.
Por isso, quando é para falar de cozinha,
gosto de falar com alguém que me entenda.
Podemos falar de politica, de algum escândalo que tenha ocorrido, de
problemas, de cinema, de futebol etc. Mas há sempre aquele momento em que
falamos de comida. Nos ciganos é inevitável não falar sobre este assunto.
Uma vez, um projeto convidou-me para dar
umas palavras a um grupo de pessoas da Câmara e entre outras.
As responsáveis do evento vieram buscar-me à estação, e como cheguei cedo decidimos ir almoçar juntas. Éramos 4 pessoas.
Eu pedi sopa de legumes, vitela assada com
direito às minhas batatas assadas, arroz e legumes salteados. Para sobremesa
pedi salada de frutas. No fim, bebi o meu café acompanhado de um pequeno
chocolate, que o restaurante simpaticamente ofereceu.
Nisto, vejo que as 3 mulheres que estavam
comigo pedem uma sopa também (não
puseram sal).
Para beber pediram um chá... sim... um chá.
Uma pediu chá de camomila e as outras pediram de jasmim. E lá estavam elas
todas contentes a beberem o seu cházinho enquanto comiam a sopa. E eu tansa olhando para elas.
Depois da sopa pediram uma salada. Uma
salada vulgar, de alface, tomate cebola e azeite.
Para sobremesa uma pediu uma laranja e as
outras duas comeram uma maçã assada.
Senti-me o monstro das bolachas.
“Que foi meus amores? Ah? Que se passa com
vocês?.... problemas em casa é? Porque não comem? Porque esse chá?...deve estar
aí tudo a boiar. Salada e maça assada? Mais nada?”
“Oh Tânia mas nós comemos tanto! E estava
tudo tão bom!”
Tanto?... se o que comeram foi muito, o que
ficaram a pensar de mim?
Jamais me entenderia com este tipo de
pessoas. A nível gastronómico claro.
Há pouco tempo, estava a minha família e eu no cemitério,
para visitar os nossos entes queridos. Toda a família estava reunida, e na
verdade, bem triste. Como já referi antes, o meu tio partiu recentemente o que nos
deixou muito abalados.
Houve um momento em que os choros e prantos
acalmaram e um silencio se fez presente.
No meio desse silencio, ainda com os olhos
avermelhados de chorar, o meu primo Rum Rum (é uma alcunha) rompe o silencio e
diz-me assim:
“Ontem fiz um prego no pão, com sal
grosso...estava mel... um terror.”
Assoámos o nariz e começámos todos a falar
sobre o que iríamos fazer para jantar.
Tal como disse, é inevitável.
Eu
sou uma pessoa insuportável com fome. Com fome e calor.
Eu não sou eu quando tenho calor, ou fome.
E por favor, ninguém fale comigo se eu
estiver em jejum. Não é que seja, ou queira, ser mal educada, eu simplesmente
não quero responder até eu não estar sentada à mesa a levar com o vapor do
café. O que é que uma pessoa tem de interessante para falar em jejum? Nada.
Quando ia a formações de trabalho, lá tinha
que falar com as pessoas em jejum, mas em modo automático. Era como se não
estivesse lá.
Vamos tratar bem dos nossos gordos
interiores. Eles também merecem ser
felizes.
Os gordos excêntricos, devemos ter algo de
controle sobre eles, é a nossa saúde que está em jogo.
Mas aqueles gordos tímidos e inocentes que só
querem pão e que vivem no nosso interior, deixem-os ser felizes de vez em quando.
Tânia.
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