quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Coisas tão raras me acontecem

Nunca tinha dado a devida atenção a este tema até agora.


O sistema de saúde em Portugal está bastante mal gerido. Não sei como funciona nos outros países, mas em Portugal, é algo que preocupa.



As pessoas ficam em listas de espera para serem operadas meses e meses. Outras, anos.

Eu mesma vivi esta situação. Há pouco tempo fui operada à vesícula, e a um quisto que eu tinha atrás do ovário.



Eu visitava repetidamente as urgências devido a uma dor extrema na zona do abdómen. Em alguns casos cheguei a perder os sentidos. Eram dores muito fortes. De todas as vezes que fui às urgências, repetia os mesmos exames. Ecografia, raio-x etc.


Em todos estes exames, eles viam sempre a mesma coisa. Mas nunca me deram um diagnóstico. Viram que eu tinha esse quisto enorme, atrás do ovário, mas também viram que eu tinha pedras na vesícula. Uns médicos diziam que as dores derivavam da vesícula, para outros, era do ovário.




Procediam com a medicação pela veia como sempre, em muitos casos fiquei internada 12 horas, e depois mandavam-me embora.

Numa dessas visitas, decidiram que o melhor seria operar.
Disseram que eu iria ser operada em 2 anos. Eu fiquei estúpida, 2 anos?! Eu ia fazer do local das urgências a minha segunda casa? 


Tinha que andar com essas dores constantes e horríveis por mais 2 anos? E é importante frisar que tive de faltar ao meu local de trabalho algumas vezes. Outras ia de direta mesmo. Mas disseram que nada podiam fazer. Que a lista de espera era muito grande.


Numa dessas visitas às urgências, um médico diferente me atendeu e procedeu novamente a novos exames. Ficou muito preocupado com o dito quisto atrás do ovário.


Perguntou se eu tinha familiares que tivessem vivido a triste experiência do cancro. Eu disse que sim. Infelizmente temos alguns casos.




O médico disse que o tamanho do quisto, não era normal, ainda mais se eu tinha um historial familiar cancerígeno. Que já nem sabia se era quisto, porque o aspeto que apresentava apontava para ser um tumor. Provavelmente benigno, mas que poderia passar a maligno em curto espaço de tempo. O médico assustou-me.



Marcou-me uma ressonância, para a qual teria de esperar 10 meses para fazê-la. E depois, ser operada, 2 anos depois.



Espere lá... você está a dizer-me que o quisto que eu tenho, que já nem sabem se é quisto, tem características cancerígenas, e só iremos ter a certeza com uma ressonância marcada daqui a 10 meses, e ser operada 2 anos depois? Isto é a sério? Se realmente for um câncer, até à data já parti deste mundo!



3 dias depois o próprio hospital telefonou-me dando-me a informação que seria operada no dia seguinte. Devem ter mesmo ficado assustados. Tanto quanto eu. E prontos fui operada, tiraram o que tinham a tirar, não era nada de mal, e hoje esta tudo bem. Mas podia não ter sido assim.



O tempo de espera é ridículo. Quantos casos já não houve de pessoas morrerem enquanto esperam para serem atendidos?



“Dois doentes morrem à espera de intervenção médica no hospital Santa Cruz, alegadamente por falta de dispositivos médicos”



“Doente morre com enfarte após seis horas de espera”


“O meu irmão morreu porque não foi socorrido a tempo pelo hospital”


“Idosa morre na sala de espera das urgências”




Existem imensas noticias deste género infelizmente. A nossa família viveu este tipo de caso na pele. O meu amado tio que partiu à pouco tempo, faleceu de enfarte. 


Não se estava a sentir bem, foi ao hospital queixando-se de sintomas típicos de enfarte, o meu pai que também é doente cardíaco alertou-o imensas vezes. Disse que reconhecia esses sintomas e que o melhor seria informar o pessoal médico. E eles foram informados disso.





Diagnosticaram os sintomas do meu tio com “é uma virose”. Receitaram Benuron e o mandaram embora. Faleceu 3 dias depois. Andou a enfartar durante 3 dias, quando supostamente era uma virose. 


As idas às urgências tem o custo de 20 euros. 20 euros! Ir ao hospital é uma despesa ridícula hoje em dia. 20 euros de consulta, o dinheiro da gasolina, e ainda ter que comprar a medicação que foi receitada. Ou seja, uma pessoa precisa de 40/50 euros para ir às urgências e ainda corre o risco de morrer na sala de espera.



E se for um caso como eu em que 3 vezes por semana ia às urgências?.... ridículo.


O que me fez falar sobre este tema, foi precisamente devido à minha ultima experiência nas urgências.


Eu sempre tive muitos ataques de ansiedade, tensões extremamente baixas, ou muito altas. Sou uma pessoa que acumula muitos nervos, e há momentos em que o corpo expressa todo esse nervosismo acumulado.


Quando eu começo a sentir-me ansiosa, eu própria cuido de mim. Na minha família já é um procedimento normal. Eu começo a sentir-me com falta de ar, a tremer e tal, já sei  o que fazer. Vou buscar um Valium, coloco debaixo da língua, espero 20 minutos, controlo os batimentos cardíacos, e após esses 20 minutos tomo outro Valium.



Para muitos, ficariam a dormir 3 dias. Para mim já é normal. Tomar Valium é como comer um rebuçado para a tosse. E mesmo com esses dois Valium o resultado não é muito notável. Acontece é que tomo um banho quente, proporciono um ambiente calmo, deito-me na cama ou no sofá, e lá vou “ao sitio”.


Tem vezes que nem isso me safa. E foi o que aconteceu há dias.


Deviam de ser umas 2 da manha. Os batimentos cardíacos começaram a ficar muito muito lentos e de repente, muito rápidos. É uma sensação horrível acreditem.
Eu sentei-me na cama. Mal conseguia falar. Lá consegui alcançar o telemóvel e perguntei ao meu pai onde estavam os Valiums. Ele tinha levado os Valiums com ele.



Tentei então acalmar-me de maneira natural. Esperei cerca de 45 minutos e nada tinha mudado. Deixei de sentir o meu braço esquerdo, e sentia muitas dores nos dedos da mão direita.


Acordei a minha mãe dizendo que eu não estava bem, que desta vez a “crise” era forte e que precisava de ir ao hospital. A minha mãe coitada assustou-se muito. Eu nunca peço para ir ao hospital. Por muito mal que eu esteja, eu mesma acalmo-me sozinha e evito assim, uma ida ao hospital. Mas desta vez foi diferente.


Quando chegámos ao hospital, o meu pai estava em pânico e disse que era grave. Que para eu queixar-me desta maneira é porque eu grave, e que infelizmente temos casos na família com os mesmos problemas.



Fui atendida uns 20 minutos depois. Fizeram electrocardiograma, exames ao sangue, mediram tensões, medicaram-me etc.


Quando os resultados dos exames chega, ouço no alta voz que devo dirigir-me ao consultório 5. Iria falar com um médico para explicar-me o resultado dos exames.


É aqui que a situação se complica, e que me faz sentir ainda mais preocupada com o sistema de saúde deste país.



Eu entro no consultório. A minha mãe também vem comigo. O médico nem me cumprimenta, está concentrado a ver os exames.


Os rasgos físicos do médico apontam que ele era estrangeiro. Ucraniano talvez.
Muito pálido, muito loiro, olhos super claros.



Eu entro, e vejo que a cadeira para os pacientes se sentarem encontra-se muito longe da mesa do médico. Eu com toda a naturalidade do mundo, pego na cadeira, e coloco perto da mesa, e sento-me.


O médico, com um sotaque tremendo, interrompe a sua leitura dos exames, e diz:


- Porfabor, afaste-se. Sente-se onde a cadeira estava.









- Porque?!



- Por fabore...punha a cadieira ali, longé, e sente-sé.



- Ai.... este senhor........ mas eu ali não vou ouvir nada do que você vai dizer.



Não quero exagerar, juro-vos que a cadeira estava mesmo muito afastada da mesa do médico.



- Não vou repetiri minina, si senté ondi a cadeira estava.



- Ai.... vou bater a este senhor...




- Filha senta-te ali vá. (A minha mãe tenta acalmar me)



Agora, vou contar-vos, da melhor maneira possível, a minha experiência com este médico.
Depois de eu estar sentada, longe da mesa, o médico acaba de ver os exames e começa a falar comigo.


- Pois é Tánia nghguhegoejnbndebhnedzjbnejbednjvoleinhbge exame aipgjaijvgpiwjgvpIWJHBGPWInhwhb coração aeijgouahevoauehgvouehva nervos.




- O que?


- Oauegtovuejhoenvghueoth exame agoajefvoafjhvoneahvaenhgto coração aoijgaojegvoehgoeja nervos.



O senhor simplesmente não sabe falar português. Mas podia ser que por estar longe eu não o estivesse a entender bem.


- Doutor... eu não estou a perceber nada. Não sei se é por você estar muito longe, ou porque você fala mal o português.



O médico resolve levantar-se e por-se mais perto de mim. Eu fico sentada, a olhar para cima. Ele devia de ter 2 metros.



- OK... tava dizendo qui agjhau<hnvluhrtvha <ouhtgvola coração... ijvgowhjgohsoifghiohvlosnhvwoighvln nervos gijbvouheanohubvaolnhuv gorda oahgvoahjgouhgnaolnhgo.


- Ai pai o que está dizendo este senhor?



A minha mãe não me responde. Eu olho para trás e só a vejo a deslizar pela parede num ataque de riso silencioso.





- Mãe?.... ai.... mãe!.... Nanais.... 


A minha mãe, ainda em silencio, com a cara lavada em lágrimas de tanto rir, faz-me o sinal de que vai sair do consultório.



- Ai mãe! Não! Ai!!! Não me deixes aqui!!! Mãe?!!....Uma dor te de... Mãe!!!



E a minha mãe sai.



O médico continua...



- etuhvauohenvnheoughvaljsnheougholnoleuth coração oijgvouahjvouahvous nervos hwurvuwhvuhguw gorda.



- Mas o que tem o coração?


- aeotjgvolnhgoueovlh.



- Ai me Deus... o que?



- ojvouhwoughvohngouwhonh nervos.



- Coisas tão raras me acontecem.





- jhuvhdvuehngonhve nervos.



- Ah é nervos?...isso sei eu.  Mas o que foi que me deu?



- ouhfvgouhnvolnhguovhowsunghovuhouwghvov.



Eu não disse nada. Fez-se um silencio. Acho que naquele momento a minha alma rendeu-se ante a impotência. Ele fica a olhar para mim, eu para ele. Não sabia o que responder-lhe, estava tansa. Ele, segundos depois, resolve romper o silencio.



- auehvoeahvoguhousheavogb nervos ouwhrvounwolnwogolnwrog coração ogvownvoghwouhvov  gorda UHGVUHNVUWHGVNHSWUTGH entupida.



- Ai voce esta a chamar-me gorda?


- jejejeje noooo auhnvouhwoghowanvgwpaihgphngwhvhwag.



- Você é um queima sangue.



- Eh?


- O que é que está gorda?



- ojavgoujaevneouhnagaegvoaherohg veia oajnrouhwoughvouwshvow coração aoghvuworhgvowuhvowu entupida.



Nesse momento a minha mãe resolve entrar novamente no consultório. E pergunta-me por novidades. Eu disse que não sabia de nada.


- Vamos lá ver... se não sou eu a gorda... é a veia que está gorda.. é isso doutor?


- suhviuhaevohneoguvhsow nervos. HWGUWhvguowHGVOUHGOUhn entupida.



- Ai... mas o que você está fazendo aqui se não sabe falar português?









A minha mãe resolve interceder. Ficou irritada. Para quem conhece a minha mãe, sabe que ela é espanhola. Apesar de estar desde os 14 anos com o meu pai, e de viver há tantos anos em Portugal, a minha mãe não consegue falar português. Fala espanhol.



 E quando tenta falar português, fala um idioma raro. Não é galego, não é espanhol, não é português, é uma coisa rara.
É uma mistura de tudo isso, e ainda por cima, com sotaque cigano. Imagine a minha cara a ver a conversa desse médico, com a minha mãe.




- Vamos la vere señore dotore! Yo tennho que saberi o qui si pasa com a minha fija! Mãeeee... viémos para aqui para nada?! Buçé me tiene que explicaré lo que se pasa!



O médico tenta respirar fundo, e fala devagar.



- Gorda... wijrvwniojgivjriogvjsw veia... ojgvowjgowjovjswrhgvolnswjrig entupida!!!!



- Olhe... acredite...você está a dar-me arritmias, eu vou para casa pior do que quando cheguei aqui.



- Tania.... veia....entupiu! pufff! Pufff! (Faz movimentos com as mãos simulando uma explosão) Entupiu! Percebe?


- Sim... vá...devagar.... entupiu... e agora?



- Gorda.



- Ai... mas o que é está gorda?




- Veia.



- Ah... está bem... mãe... é grave isso não é? e agora?



É. Comprido uhfvauehnvh SOS....só SOS.... só poder tomar em 12 horas...... tania tomar SOS quinta feira.



- Mas se é no espaço de 12H... e hoje é segunda feira.... você está a mandar-me tomar isto na quinta?



- Médico de família.



- O que tem o médico de família?



- Veia.







- Mas você com esses olhos de umas piscinas! O que está fazendo aqui?



- Veia! Veia! Entupiu!!! SOS!! Médico de família!!! 12H!!! Gorda!!



- Olhe... eu vou-me embora.



- Receita...veia...SOS.



- Eu não quero receita nenhuma.



Quando saí, o meu pai que esperava impacientemente perguntou o que se passou. O que podia eu responder?



- Não sabemos.



E a minha sorte foi que a minha mãe estava comigo e testemunhou isto tudo. Porque se eu estivesse sozinha e conta-se isto alguém, minguem acreditava em mim.



E não sei mesmo o que se passou comigo amigos. Eu posso estar a morrer e ainda não sei o que tenho.




Tânia.

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