sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Obrigado

6h da manha…”acordo”… fico sentada na cama uns minutos a olhar para um chinelo ou para o carregador do telemóvel, pensando no sentido e significado do universo. “Levanto-me”, vou aos tombos pelo corredor até à casa de banho. Ouço a minha mãe de fundo, no entanto ela está mesmo ao meu lado.


“Despachate  “fiya” que no pódemos llegaré tarde a la feira” (o tipico sotaque da minha mãe)



Meto-me no duche. Continuo a pensar no sentido do universo e que raio será um buraco negro. Tomo banho com esperança de acordar e por tudo a funcionar. Maior parte das vezes a missão não é bem sucedida.

Visto-me. E desequilibro-me a tentar calçar a meia. Faz calor, mas melhor ir de ténis, a feira “suja” muito. Agarro-me na parede. Vejo a silhueta da minha mãe e a sua voz de fundo de novo.

“Pon el protector solar”

Preparo a mala. Odeio andar de mala. Porque as mulheres tem de usar mala?
Lenços de papel, nunca há papel na casa de banho na feira. Se bem que eu NUNCA vou à casa de banho da feira.

Protetor solar. Óculos de sol. Lenço para limpar os óculos. Carteira… ok…acho que está tudo.
Carrego com os sacos até ao carro. Toda a gente pensa que por eu ser gorda tenho força. Não tenho. Mal consigo segurar um garrafão de água. O caminho da porta de casa até ao carro é infinito para mim.


Entro no carro. Vou atrás com os platex. A minha  irmã é muito mais alta que eu. Então tenho de ir eu atrás. Elas conversam entre si. Mas só metade do meu cérebro é que está a trabalhar.
Conversam sobre o que se jantou ontem, ou sobre o que se passou em casa do tio, ou sobre se vai haver rusgas ou não na feira hoje. Como disse, só metade do cérebro é que está a trabalhar. E estou em jejum. Elas sabem que eu não sou de conversa sem beber café. Limito-me a olhar para a janela.


Chegamos à feira. Faz calor. A primeira coisa que vejo são o casal adorável que não faltam a uma feira. Ambos quase a chegar aos 60 anos, ambos de luto, lá estão eles, entre os dois, a montar a sua banca, toldos e tudo mais.
Crianças dos 2 aos 5 anos choram nas carrinhas. Uns de sono. Outros com calor. Outros porque o irmão tirou-lhe o carrinho com o qual ele estava a brincar, outros simplesmente porque não queriam estar ali.


- Bom dia Tania, já sei que estás em jejum, mas hoje vamos vender muito filha muda essa cara, há que ter fé!

- Bom dia tia sim eu..

- Já sabes que não quero que me chames de tia!!

- Esqueci-me tia. Sim Paula, hoje vamos ver como corre.

- Fiya no trates de tu a las personas mayores!! (minha mãe)

- Filha, eu é que precisava de uma sessão dessas. Quando tirar o luto sou o primeiro. Preciso de relaxar. (o marido adorável)

- Sim tio, é só dizer.

Vamos tomar pequeno almoço. À mesma roulotte de sempre. O Jorge e a sua esposa susy. Novinhos. Casaram cedo mas já trabalham juntos há muitos anos. Há que fazer pela vida. Não são ciganos.

- Ora para a espanhola é um queque..meia de leite…para a Natasha croassaint misto prensado…para a Tania que está a dieta é rodela de pão de mistura torrado com 2 rodelas de tomate e um sumo de laranja.


Faço um sinal de fixe ao Jorge apenas para confirmar o que acabou de dizer.
A minha mãe nos acompanha no pequeno almoço e vai embora. Vai trabalhar. É cozinheira  num dos restaurantes que a minha tia tem aberto.
Eu e a minha irmã, depois do pequeno almoço começamos a montar a banca. Toca a vender.



Faz imenso calor. Tenho de tirar os óculos de sol. Porque são dos chineses. E eu sou vesga, não vejo mesmo nada, e os óculos de sol só me fazem ver pior.

Porque será que ainda não consegui arranjar dinheiro para comprar uns óculos de sol com graduação?

Demorou ainda 1h para poder vender alguma coisa. O calor cada vez aperta mais. Fica difícil estar na feira. Sem toldos..sem guarda sol..não temos lugar de feira pois não temos posses económicas para comprar um. São demasiadas horas ao sol. Ou à chuva se for inverno.

Não compensa alugar para a banca tão pequena que temos. Além disso não ganhamos o suficiente para ter um compromisso mensal. Então nos metemos num cantinho qualquer. E passamos a vida a fugir dos fiscais que nos dão o ralhete (e multas) pois não podemos estar nesse cantinho, pois aquilo não é um lugar.
Transpiro por todos os lados. E fico sufocada ao ver os ciganos que estão de luto. Se eu me sinto assim, como se sentirão eles?




São quase 9h30. É hora dos fiscais chegar. Melhor sair daqui e ir para  o outro lado da feira, onde costumam passar menos vezes. Não passa lá quase ninguém, mas pelo menos estamos mais seguras. E carregamos 2 sacos, 4 bancos e 1 platex entre as 2.


Ali sinto-me melhor. Começo apregoar. Digo bom dia quando param na banca. Mas não me devolvem o bom dia. Só me apetece dar-lhes com uma bazuca.
Eu  não nasci para a feira. Mas se tem de ser tem de ser. Então trato de sacar o meu lado simpático e social de mim, e dou o melhor que posso.


Aqui é mais divertido. Estou rodeada de colegas. Os que possuem lugares e os que não. Os que possuem lugar, lá me deixam um bocadinho para eu por a minha mini banca.
Entre todos conversamos. Somos um grupo de 10 pessoas pelo menos.

- Já vendes-te alguma coisa filha?

- Não tia…fiz 5euros…

- Eu ainda pior. Nem estrear.

- E tu Ângelo?

- Alguma coisa..mas estou muito cansado..só me apetece ir embora..deitei-me eram 4 da manha a empacotar tudo…não compensa estar aqui..mas já vendi alguma coisa.

- Graças a Deus. Diz a mais velha de todas.

Estou lá. Mas é como se não estivesse. Ligo para a minha mãe para saber como é que ela está. Sofre muito da coluna e está a cozinhar e a limpar cozinha.
Envio mensagem para senhoras a perguntar se querem uma sessão da Mary Kay.
Ligo para o meu pai para saber se a encomenda da Mary Kay chegou.

Ligo para o meu irmão para saber se já comeu e se deu de comer às tartarugas.
Envio mensagem à minha diretora, perguntando qual é a diferença entre o batom semi gel pink, e o batom mate pink soft.
A minha irmã vai para a esquina ver se os ficais vem. Se for o caso ela avisa-me e eu retiro-me, para não levar mais multas.

Cada vez faz mais calor. A mim só me apetece despir-me em via publica.
Aparece o ceguinho de sempre. Um idoso. Que vende raspadinhas. Vem de bengala. Pergunta pela casa de banho. Um dos homens que vende polos ao meu lado, decide acompanha-lo e dirigi-lo pelo braço até lá.
O idoso agradece e diz:

- Quem diria que ia ser um cigano que me ia levar até à casa de banho.

Sinto-me desconcertada… porque tanta surpresa?...





13h30, a fome aperta. Vou dar uma vista de olhos à bolsa para ver quanto dinheiro fiz. E vejo que não há o suficiente para poder ir almoçar. Melhor bebo um pacote de leite de soja que trouxe para pelo menos manter a energia.











14h30. A feira está vazia. Hora do almoço. Os colegas começam a ir buscar sandes de presunto à barraca de sempre. Ou trazem o fogareiro para assar entrecosto ou sardinhas.
Sinto-me cansada. Suja. E preocupada…mal fiz para o jantar de hoje.

Chega a minha mãe para nos vir buscar. Carregamos tudo de volta para o carro.
Aproveito que estou na zona e vou visitar o meu primo. Um de tantos.
Conversamos um pouco e aproveito para almoçar. A minha irmã aproveita para ir à piscina. 

Não vivem nem nunca viveram, nem nós mesmos, de qualquer subsídio. Ele trabalha num Banco e a mãe, minha tia, é proprietária de 3 restaurantes. Mas o tempo é escasso. A minha mãe sente imensas dores e ainda há que ir ao Pingo Doce comprar o jantar.

Estou quase a sair e vejo a minha tia entrar. Vem descansar uma hora em casa. Deita-se no sofá e fica totalmente offline. São imensas as responsabilidades.







Desta vez conduzo eu, para que ela descanse um pouco. Vamos ao Pingo Doce. O calor dentro do carro dá-me náuseas.
Até lá pensamos no que vamos fazer para jantar. Entramos e fazemos tudo à pressa. Queremos é ir para casa.

Chego a casa, tomo 1 banho, organizo as malas da Mary Kay e os produtos. Maquilho-me. E vou apanhar autocarros e comboios e andar a pé com saltos para ir fazer as sessões. Muitas delas desmarcam quando eu quase chego ao destino.

Muitas delas dizem sim que adorariam. Enviam-me pedido de amizade. Vêem o meu perfil e dão-se conta do inevitável. Sou cigana e não dá para esconder. Nem o meu físico, nem o meu conteúdo a nível de publicações. Deixam-me de responder ou de atenderem o telefone.

Dirijo-me à sessão seguinte. Ligo para o meu irmão com esperança de que ele me possa dar boleia.  De momento só temos um carro porque infelizmente a carrinha do meu pai foi à vida.



Sinto-me cansada. Mas há que ter um sorriso na cara.O meu irmão foi trabalhar para o outro restaurante da minha tia durante a tarde. Comeu e foi para o estúdio de musica onde ele passa a maior parte do seu tempo, lutando pelo seu sonho.Levou o carro com ele. Então ligo para a minha mãe.

Diz-me que se eu vender alguma coisa que compre os comprimidos da tensão para ela e um dos medicamentos para o meu pai que é doente cardíaco.

- Está bem mãe. Farei o meu melhor.
Sinto-me cansada. Mas há que ter um sorriso na cara. 




Adoro o que faço. E posso dizer que a Mary Kay, por muito fútil que isto possa parecer, salvou a mulher que há em mim.

Odeio cor de rosa. Odeio andar de mala. Odeio cabeleireiros. Odeio falar dos olhos bonitos do Gonçalo. Não faço ideia qual é o top girissimo de franjas da Berska. E nas conversas entre amigas sinto-me totalmente excluída porque as minhas unhas são naturais e eu não faço unhas de gel.

Os amigos que me conhecem de verdade pensam que fizeram-me uma lavagem cerebral.

No entanto, parei na Mary Kay. As reuniões aparecem elas todas tipo Reese Witherspoon no filme Legalmente Loira.





Todas “fru fru”, de saltos altos, com canetas com poms poms cor de rosa na ponta. E a que mais vendeu nessa semana tem direito a uma foto com uma tiara. E eu toda rafeira, de leguins e sapatilhas com um rabo de cavalo no meio delas todas, escarrapachada na cadeira. O pior disto? É que eu gosto.
Fui para a cama no Domingo à noite depois de uma feira, às 3h da manha depois de andar a organizar todas as coisas. Acordo as 8h30 para ir à reunião semanal da Mary Kay, e vou claro em modo automático, só com meio cérebro a funcionar, e elas querem me ver toda fru fru como elas. 
Se elas soubessem.....
Mas um dia faço-vos a vontade, fica prometido.

Marco as sessões à hora que seja. Eu sei que deveria dar-me ao respeito..e dizer “não…eu trabalho até as 19h…daí é tempo para mim”

Mas eu não posso dar-me a esse luxo. Espero que um dia possa te lo. Sei que vou te lo. Mas de momento não.
Então adapto-me ao horário das minhas clientes, que de momento, são a maioria (se não todas salvo erro) da minha cultura. O que significa que eles também vão à feira...e dali vão até Mindelo a voltar comprar para a feira do dia seguinte. (60kilometros ida e volta, desde Vila Nova de Gaia). Então a maior parte das minhas sessões com o meu povo são marcadas as 22h


Nunca saio de lá antes da 1h da manha. Com sorte reencontro-me com familiares. Vejo o meu primo Emanuel cansado (mas ele sempre nega) depois de ter trabalhado no restaurante. Tal como vi a patroa, neste caso minha tia, cansada também. Ou às vezes vejo o meu primo Jonatham que é pastor e tem o seu emprego à parte. E é tão difícil apanha-lo em casa.
As vezes janto em casa do meu tio Miguel. E o vejo sempre tão stressado… preocupado com o que pode fazer para garantir a comida na mesa durante essa semana.


Vejo o meu pai, doente cardíaco, a ter que viajar para fora do país sozinho, e nós sempre com o coração nas mãos com receio que ele passe mal longe de nós.
Vejo a esposa do meu primo que se dedicou à art nail sozinha. E que hoje tem incluso o seu próprio gabinete. 

Vejo a filha da esposa do meu primo que tanto me enche de orgulho. Cansada também. Chega a casa tarde e com pena teve de abandonar o seu ministério na igreja onde ela cantava. Não podia ir aos ensaios. Pois está a estudar direito e caminha agora para o 3 ano.

Todos os dias tento sempre visitar algum deles. É difícil apanhar as minhas tias gémeas que tanto amo. Mas nunca as apanho em casa. Talvez elas leiam isto e possam dar-me um dia para poder visita las :p

Chego a casa, desmaquilho-me. Preencho o meu relatório pessoal sobre as sessões desse dia.
Os pés palpitam de dor. Os braços estão doridos de ter carregado com as malas. Os olhos ardem depois de tantas horas maquilhados. Morro de sono. 

Vejo que a minha mãe me guardou um prato de comer pois nem tempo tive de jantar. Mas nem me apetece. Como uma torrada e um copo de leite.
Acabo o relatório. E vou organizar os sacos da feira do dia seguinte. Ou organizar a mala para a reunião da Mary Kay caso seja segunda-feira.

Abro o Facebook com os olhos semi fechados… mal tenho energia. E pergunto-me quando é que terei um dia de folga para poder ver os episódios da minha série favorita.
Há tanto que não subo uma receita no meu canal.

Ou quando poderei jogar League of Legends durante horas como costumava fazer.
Ou desenhar...
Dou uma olhadela no abrigo animal da zona. Queria tanto voluntariar-me e ajudar.

Ponho-me a organizar as coisas da feira. 2h da manha…não consigo fazê-lo a tempo…então combino com a minha irmã.

Ela organiza até as 6h da manha e eu vou dormir. E às 6h acordo e vou eu para a feira.
2h45. Estou na cama. Para amanha o dia se repetir. Até amanha.

Tania Fonseca Sanchez.
31 anos, mulher, cigana, ser humano. Que respeita, trabalha, boa gente, não recebe subsídios nem outros privilégios e que luta por um mundo melhor juntamente com a minha família e como muitos outros ciganos do mundo. 


Obrigado Dr. Quintino por me dificultar mais a vida. Obrigado à audiência presente nesse programa que concordou com tudo o que ele disse e ainda se riram. Obrigado a todos os que comentam atrás de uma tela todas estas porcarias que chegam por vezes ferir a alma.
tem vezes que fico furiosa e só me apetece vos atirar gasolina em cima e sacar proveito da fama que tenho.

Obrigado a todos os meus colegas que lutam juntamente comigo contra uma maré tão brava.
Obrigado à minha família que contraria tudo aquilo que leio por aí...
Obrigado à minha equipa de trabalho que me vem como mais uma delas, apesar de não ser fru fru.
Obrigado a todos os racistas que me ajudam a ser uma pessoa mais forte a cada dia.

sábado, 31 de janeiro de 2015

Ciganos vs Paílhos

Eu já fiz uma referencia parecida no meu facebook sobre este tema.
O único objetivo de este post, é única e exclusivamente, para provocar um sorriso a quem o lê.


Quando eu faço referencia a “cigano”, apesar de todos sabermos que o verdadeiro termo é ROM/A, não levamos a mal. Eu não levo a mal que me chamem assim, e tenho a certeza que os meus colegas também não.


Quando faço referencia a um paílho/paíto, não é com o objetivo de desprezar ninguém. Não é uma expressão racista. É apenas uma palavra do nosso dialeto. É assim que nós chamamos às pessoas que não são ciganas.


É a mesma coisa que dizer que os que não são latinos, são gringos. Ou seja, não é por mal. É apenas uma forma de “identificar” pessoas.

Falarei sobre alguns mistérios da comunidade cigana. Mistérios que nem nós mesmos sabemos explicar a sua origem, nem o sentido da ação, nem tão pouco o motivo que nos leva a agir/viver assim.



Irei frisar também algumas das diferenças entre os ciganos e paílhos. Isto é real. E todos que leiam isto saberão que é verdade.


Um cigano nunca tem uma caneta em casa. Isto é verídico. Pode até ter 20 filhos na escola, não adianta. Quando chegar o momento de apontar alguma coisa urgente, os ciganos nunca dispõem de uma caneta. 


Começam a discutir, a desarrumar tudo, vasculham todas as gavetas e armários. Não encontra. E se encontra, será a tal caneta esquecida do fundo da gaveta que não escreve. Ninguém a põem fora. A pessoa testa a caneta num pedaço de papel ou envelope, não escreve, discute mais ainda, e voltamos a guardar a caneta para o próximo episódio.




Um paílho já não. Um paílho tem canetas em qualquer canto da casa, dentro da mala, do bolso do casaco, nas mochilas das crianças. Canetas funcionais e de todas as cores.
Um paílho tem arame, tem corda, tem pilhas, tem lanternas, fita cola, caixa de ferramentas, tem tudo. Um cigano não tem nada. 





Um cigano fica sem pilhas no comando e é possível que demore um mês a comprar umas novas. Irá dar pancadinhas no comando, trocar umas pelas outras, e até estará um tempo a levantar-se do sofá para mudar de canal. Quando a saturação fala mais alto, lá vamos nós comprar pilhas. 


Não temos caixa de ferramentas. Alguns até podem ter sido pioneiros na família, e ter comprado uma caixa de ferramentas, mas não demorou muito a que cada peça desaparecesse pouco a pouco, misteriosamente.



Os ciganos entram todos pela mesma porta do carro. Ninguém dá a volta para entrar pelo outro lado.  Pode chover torrencialmente, todos irão esperar, em fila indiana, a discutir, para entrar no carro.


Os ciganos nunca tem gel do cabelo ao domingo.


Os ciganos não sabem cozinhar para poucas pessoas. Se fizerem comer para duas pessoas queimam tudo, ficamos desconcertados e no meio de uma crise existencial.

 Estamos habituados a cozinhar em grandes porpoções. Mesmo que sejam só para 3, 4 pessoas, os ciganos compram comida que para um paílho dava para 12 pessoas.



Um cigano para ir ao hospital, ou visitar alguém ao hospital, precisa de ter muito dinheiro. Isto por causa das máquinas de comida e bebidas. Estamos a caminho do hospital e a fome já toma conta de nós. Não importa que já tenhamos almoçado/jantado. 


Não adianta. Iremos consumir naquelas máquinas. Nada presta e nós sabemos disso. Mas mesmo assim, gastamos dinheiro naquele café que derrete o fígado e no tal croissant misto gelado e que está lá desde novembro .



Um paílho tem fome e come duas bolachas de água e sal. Ou uma maça verde. E que satisfeitos que ficam. “Ui que cheio que fiquei,que delicia”.....

-.-



Eu se tiver com uma crise de fome, alguém me oferece uma maça, e a minha reação é tudo menos pacifica.



Um cigano não pode atestar o carro. Só pode por 20 euros de gasolina no máximo. Se por mais vai se lembrar de viagens longas e sem sentido. Vai emprestar o carro aos primos e fica sem gasolina num instante. Um paílho atesta o carro e dura-lhe um mês inteiro.



Os ciganos, quase todos, andamos sempre com um guardanapo enrrolado na mão. Não sabemos porque.



Nunca sabemos onde está o pente.


Temos sempre uma cenoura no frigorífico. Não é duas, nem três, nem um quilo. É uma só. 


Não temos campainha em casa. Quase nenhum tem. E os que tem, como é algo tão impressionante, faz uma marca no metal, de modo a sinalar os outros que aquela é a sua campainha



Quase nenhum tem chave do correio.


Num restaurante, quando os ciganos acabam de comer, fazem uma dobra à toalha de papel. Porque?... não sabemos. Simplesmente fazemos. E não importa a nossa nacionalidade. Todos o fazem.



Um paílho come sopa, vitela, salada, batatas, arroz, salada de frutas, pão, café, e a mesa está intacta. Um cigano come uma torrada e um compal e as migalhas na mesa é simplesmente inexplicável.



Temos uma obsessão pelos porta guardanapos. Aqueles que normalmente servem nos snacks bar. Que são pequenos e muito fininhos. Esse objeto desperta algo em nós que provoca uma reação de descontrole. Para beber um pingo gastamos um inteiro. Na mesa, fazemos uma montanha desses papéis. 



No carro, há sempre uma janela/porta que não abre. Até pode ser um carro a 0 quilómetros. Não importa isso.


Um panado no pão, para nós, é como se fosse comer uma lagosta. Simplesmente um manjar dos deuses.



Os ciganos pagam fortunas de água. Podemos comparar a uma família de paílhos com o mesmo numero de pessoas. No fim do mês os paílhos vão pagar 19.80 euros. Os ciganos não pagam menos que 120.



Uma família de ciganos consome cerca de 30/40 pães por dia.

Um paílho se desbulha com uma manifestação.


Um paílho idoso está sempre gelado. O sol foge dele.



Um cigano tem muita imunidade aos medicamentos. Temos uma dor de cabeça tomamos logo 2 Nimed's, Nolotil, Valium, e outros medicamentos fortes.

Um paílho toma um benuron 200 e um chá e já fica curado.



A casa de um cigano, por muitos líquidos e lixívia que se use, sempre irá cheirar a assados e fritos. 


A casa de um paílho, seja da classe social que seja, cheira sempre igual. Não sei explicar bem a que. A móveis do século 17 talvez.




Os paílhos, por muito que tentem, não conseguem imitar o sotaque cigano. Quando tentam fazê-lo, imitam alentejanos e a não ciganos.



Que teimoso é um paílho. 


Um cigano nunca tem dinheiro. 1O euros na carteria como muito. Ter temos, mas nunca levamos. É uma coisa rara.


Um paílho tem um porta moedas como moedas de 2 cêntimos. Eu acho que um cigano nunca viu uma moeda dessas.


Os paílhos acham hilariante que os ciganos usem expressões como por exemplo “vaiam” ao invés de “ide”. 

Mas não sabem o quanto nos rimos com expressões como “parvo” “idiota” “palerma” “imbecil” “pascácio”.



Os filhos dos ciganos tem nomes raros. Alguns conseguem ter nomes que parecem remédios.
Mas na minha opinião, consegue ser mais bonito o nome “Zamara”, que Laurinda.


Um paílho está desejando ter um filho para chama-lo de Augusto. Ou Matilde.



Um cigano não sabe arranjar nada. Se algo avaria em casa fica assim. Ou compra novo. Um paílho com um prego e um martelo faz uma moradia.


No entanto, mesmo sabendo todas estas diferenças,  (todas reais), e de elas provocarem risos em ambos lados, não deixamos de nos amar e respeitar como seres humanos. Que estes fatores continuem a divertir-nos por muitos anos xD







Tânia.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Coisas tão raras me acontecem

Nunca tinha dado a devida atenção a este tema até agora.


O sistema de saúde em Portugal está bastante mal gerido. Não sei como funciona nos outros países, mas em Portugal, é algo que preocupa.



As pessoas ficam em listas de espera para serem operadas meses e meses. Outras, anos.

Eu mesma vivi esta situação. Há pouco tempo fui operada à vesícula, e a um quisto que eu tinha atrás do ovário.



Eu visitava repetidamente as urgências devido a uma dor extrema na zona do abdómen. Em alguns casos cheguei a perder os sentidos. Eram dores muito fortes. De todas as vezes que fui às urgências, repetia os mesmos exames. Ecografia, raio-x etc.


Em todos estes exames, eles viam sempre a mesma coisa. Mas nunca me deram um diagnóstico. Viram que eu tinha esse quisto enorme, atrás do ovário, mas também viram que eu tinha pedras na vesícula. Uns médicos diziam que as dores derivavam da vesícula, para outros, era do ovário.




Procediam com a medicação pela veia como sempre, em muitos casos fiquei internada 12 horas, e depois mandavam-me embora.

Numa dessas visitas, decidiram que o melhor seria operar.
Disseram que eu iria ser operada em 2 anos. Eu fiquei estúpida, 2 anos?! Eu ia fazer do local das urgências a minha segunda casa? 


Tinha que andar com essas dores constantes e horríveis por mais 2 anos? E é importante frisar que tive de faltar ao meu local de trabalho algumas vezes. Outras ia de direta mesmo. Mas disseram que nada podiam fazer. Que a lista de espera era muito grande.


Numa dessas visitas às urgências, um médico diferente me atendeu e procedeu novamente a novos exames. Ficou muito preocupado com o dito quisto atrás do ovário.


Perguntou se eu tinha familiares que tivessem vivido a triste experiência do cancro. Eu disse que sim. Infelizmente temos alguns casos.




O médico disse que o tamanho do quisto, não era normal, ainda mais se eu tinha um historial familiar cancerígeno. Que já nem sabia se era quisto, porque o aspeto que apresentava apontava para ser um tumor. Provavelmente benigno, mas que poderia passar a maligno em curto espaço de tempo. O médico assustou-me.



Marcou-me uma ressonância, para a qual teria de esperar 10 meses para fazê-la. E depois, ser operada, 2 anos depois.



Espere lá... você está a dizer-me que o quisto que eu tenho, que já nem sabem se é quisto, tem características cancerígenas, e só iremos ter a certeza com uma ressonância marcada daqui a 10 meses, e ser operada 2 anos depois? Isto é a sério? Se realmente for um câncer, até à data já parti deste mundo!



3 dias depois o próprio hospital telefonou-me dando-me a informação que seria operada no dia seguinte. Devem ter mesmo ficado assustados. Tanto quanto eu. E prontos fui operada, tiraram o que tinham a tirar, não era nada de mal, e hoje esta tudo bem. Mas podia não ter sido assim.



O tempo de espera é ridículo. Quantos casos já não houve de pessoas morrerem enquanto esperam para serem atendidos?



“Dois doentes morrem à espera de intervenção médica no hospital Santa Cruz, alegadamente por falta de dispositivos médicos”



“Doente morre com enfarte após seis horas de espera”


“O meu irmão morreu porque não foi socorrido a tempo pelo hospital”


“Idosa morre na sala de espera das urgências”




Existem imensas noticias deste género infelizmente. A nossa família viveu este tipo de caso na pele. O meu amado tio que partiu à pouco tempo, faleceu de enfarte. 


Não se estava a sentir bem, foi ao hospital queixando-se de sintomas típicos de enfarte, o meu pai que também é doente cardíaco alertou-o imensas vezes. Disse que reconhecia esses sintomas e que o melhor seria informar o pessoal médico. E eles foram informados disso.





Diagnosticaram os sintomas do meu tio com “é uma virose”. Receitaram Benuron e o mandaram embora. Faleceu 3 dias depois. Andou a enfartar durante 3 dias, quando supostamente era uma virose. 


As idas às urgências tem o custo de 20 euros. 20 euros! Ir ao hospital é uma despesa ridícula hoje em dia. 20 euros de consulta, o dinheiro da gasolina, e ainda ter que comprar a medicação que foi receitada. Ou seja, uma pessoa precisa de 40/50 euros para ir às urgências e ainda corre o risco de morrer na sala de espera.



E se for um caso como eu em que 3 vezes por semana ia às urgências?.... ridículo.


O que me fez falar sobre este tema, foi precisamente devido à minha ultima experiência nas urgências.


Eu sempre tive muitos ataques de ansiedade, tensões extremamente baixas, ou muito altas. Sou uma pessoa que acumula muitos nervos, e há momentos em que o corpo expressa todo esse nervosismo acumulado.


Quando eu começo a sentir-me ansiosa, eu própria cuido de mim. Na minha família já é um procedimento normal. Eu começo a sentir-me com falta de ar, a tremer e tal, já sei  o que fazer. Vou buscar um Valium, coloco debaixo da língua, espero 20 minutos, controlo os batimentos cardíacos, e após esses 20 minutos tomo outro Valium.



Para muitos, ficariam a dormir 3 dias. Para mim já é normal. Tomar Valium é como comer um rebuçado para a tosse. E mesmo com esses dois Valium o resultado não é muito notável. Acontece é que tomo um banho quente, proporciono um ambiente calmo, deito-me na cama ou no sofá, e lá vou “ao sitio”.


Tem vezes que nem isso me safa. E foi o que aconteceu há dias.


Deviam de ser umas 2 da manha. Os batimentos cardíacos começaram a ficar muito muito lentos e de repente, muito rápidos. É uma sensação horrível acreditem.
Eu sentei-me na cama. Mal conseguia falar. Lá consegui alcançar o telemóvel e perguntei ao meu pai onde estavam os Valiums. Ele tinha levado os Valiums com ele.



Tentei então acalmar-me de maneira natural. Esperei cerca de 45 minutos e nada tinha mudado. Deixei de sentir o meu braço esquerdo, e sentia muitas dores nos dedos da mão direita.


Acordei a minha mãe dizendo que eu não estava bem, que desta vez a “crise” era forte e que precisava de ir ao hospital. A minha mãe coitada assustou-se muito. Eu nunca peço para ir ao hospital. Por muito mal que eu esteja, eu mesma acalmo-me sozinha e evito assim, uma ida ao hospital. Mas desta vez foi diferente.


Quando chegámos ao hospital, o meu pai estava em pânico e disse que era grave. Que para eu queixar-me desta maneira é porque eu grave, e que infelizmente temos casos na família com os mesmos problemas.



Fui atendida uns 20 minutos depois. Fizeram electrocardiograma, exames ao sangue, mediram tensões, medicaram-me etc.


Quando os resultados dos exames chega, ouço no alta voz que devo dirigir-me ao consultório 5. Iria falar com um médico para explicar-me o resultado dos exames.


É aqui que a situação se complica, e que me faz sentir ainda mais preocupada com o sistema de saúde deste país.



Eu entro no consultório. A minha mãe também vem comigo. O médico nem me cumprimenta, está concentrado a ver os exames.


Os rasgos físicos do médico apontam que ele era estrangeiro. Ucraniano talvez.
Muito pálido, muito loiro, olhos super claros.



Eu entro, e vejo que a cadeira para os pacientes se sentarem encontra-se muito longe da mesa do médico. Eu com toda a naturalidade do mundo, pego na cadeira, e coloco perto da mesa, e sento-me.


O médico, com um sotaque tremendo, interrompe a sua leitura dos exames, e diz:


- Porfabor, afaste-se. Sente-se onde a cadeira estava.









- Porque?!



- Por fabore...punha a cadieira ali, longé, e sente-sé.



- Ai.... este senhor........ mas eu ali não vou ouvir nada do que você vai dizer.



Não quero exagerar, juro-vos que a cadeira estava mesmo muito afastada da mesa do médico.



- Não vou repetiri minina, si senté ondi a cadeira estava.



- Ai.... vou bater a este senhor...




- Filha senta-te ali vá. (A minha mãe tenta acalmar me)



Agora, vou contar-vos, da melhor maneira possível, a minha experiência com este médico.
Depois de eu estar sentada, longe da mesa, o médico acaba de ver os exames e começa a falar comigo.


- Pois é Tánia nghguhegoejnbndebhnedzjbnejbednjvoleinhbge exame aipgjaijvgpiwjgvpIWJHBGPWInhwhb coração aeijgouahevoauehgvouehva nervos.




- O que?


- Oauegtovuejhoenvghueoth exame agoajefvoafjhvoneahvaenhgto coração aoijgaojegvoehgoeja nervos.



O senhor simplesmente não sabe falar português. Mas podia ser que por estar longe eu não o estivesse a entender bem.


- Doutor... eu não estou a perceber nada. Não sei se é por você estar muito longe, ou porque você fala mal o português.



O médico resolve levantar-se e por-se mais perto de mim. Eu fico sentada, a olhar para cima. Ele devia de ter 2 metros.



- OK... tava dizendo qui agjhau<hnvluhrtvha <ouhtgvola coração... ijvgowhjgohsoifghiohvlosnhvwoighvln nervos gijbvouheanohubvaolnhuv gorda oahgvoahjgouhgnaolnhgo.


- Ai pai o que está dizendo este senhor?



A minha mãe não me responde. Eu olho para trás e só a vejo a deslizar pela parede num ataque de riso silencioso.





- Mãe?.... ai.... mãe!.... Nanais.... 


A minha mãe, ainda em silencio, com a cara lavada em lágrimas de tanto rir, faz-me o sinal de que vai sair do consultório.



- Ai mãe! Não! Ai!!! Não me deixes aqui!!! Mãe?!!....Uma dor te de... Mãe!!!



E a minha mãe sai.



O médico continua...



- etuhvauohenvnheoughvaljsnheougholnoleuth coração oijgvouahjvouahvous nervos hwurvuwhvuhguw gorda.



- Mas o que tem o coração?


- aeotjgvolnhgoueovlh.



- Ai me Deus... o que?



- ojvouhwoughvohngouwhonh nervos.



- Coisas tão raras me acontecem.





- jhuvhdvuehngonhve nervos.



- Ah é nervos?...isso sei eu.  Mas o que foi que me deu?



- ouhfvgouhnvolnhguovhowsunghovuhouwghvov.



Eu não disse nada. Fez-se um silencio. Acho que naquele momento a minha alma rendeu-se ante a impotência. Ele fica a olhar para mim, eu para ele. Não sabia o que responder-lhe, estava tansa. Ele, segundos depois, resolve romper o silencio.



- auehvoeahvoguhousheavogb nervos ouwhrvounwolnwogolnwrog coração ogvownvoghwouhvov  gorda UHGVUHNVUWHGVNHSWUTGH entupida.



- Ai voce esta a chamar-me gorda?


- jejejeje noooo auhnvouhwoghowanvgwpaihgphngwhvhwag.



- Você é um queima sangue.



- Eh?


- O que é que está gorda?



- ojavgoujaevneouhnagaegvoaherohg veia oajnrouhwoughvouwshvow coração aoghvuworhgvowuhvowu entupida.



Nesse momento a minha mãe resolve entrar novamente no consultório. E pergunta-me por novidades. Eu disse que não sabia de nada.


- Vamos lá ver... se não sou eu a gorda... é a veia que está gorda.. é isso doutor?


- suhviuhaevohneoguvhsow nervos. HWGUWhvguowHGVOUHGOUhn entupida.



- Ai... mas o que você está fazendo aqui se não sabe falar português?









A minha mãe resolve interceder. Ficou irritada. Para quem conhece a minha mãe, sabe que ela é espanhola. Apesar de estar desde os 14 anos com o meu pai, e de viver há tantos anos em Portugal, a minha mãe não consegue falar português. Fala espanhol.



 E quando tenta falar português, fala um idioma raro. Não é galego, não é espanhol, não é português, é uma coisa rara.
É uma mistura de tudo isso, e ainda por cima, com sotaque cigano. Imagine a minha cara a ver a conversa desse médico, com a minha mãe.




- Vamos la vere señore dotore! Yo tennho que saberi o qui si pasa com a minha fija! Mãeeee... viémos para aqui para nada?! Buçé me tiene que explicaré lo que se pasa!



O médico tenta respirar fundo, e fala devagar.



- Gorda... wijrvwniojgivjriogvjsw veia... ojgvowjgowjovjswrhgvolnswjrig entupida!!!!



- Olhe... acredite...você está a dar-me arritmias, eu vou para casa pior do que quando cheguei aqui.



- Tania.... veia....entupiu! pufff! Pufff! (Faz movimentos com as mãos simulando uma explosão) Entupiu! Percebe?


- Sim... vá...devagar.... entupiu... e agora?



- Gorda.



- Ai... mas o que é está gorda?




- Veia.



- Ah... está bem... mãe... é grave isso não é? e agora?



É. Comprido uhfvauehnvh SOS....só SOS.... só poder tomar em 12 horas...... tania tomar SOS quinta feira.



- Mas se é no espaço de 12H... e hoje é segunda feira.... você está a mandar-me tomar isto na quinta?



- Médico de família.



- O que tem o médico de família?



- Veia.







- Mas você com esses olhos de umas piscinas! O que está fazendo aqui?



- Veia! Veia! Entupiu!!! SOS!! Médico de família!!! 12H!!! Gorda!!



- Olhe... eu vou-me embora.



- Receita...veia...SOS.



- Eu não quero receita nenhuma.



Quando saí, o meu pai que esperava impacientemente perguntou o que se passou. O que podia eu responder?



- Não sabemos.



E a minha sorte foi que a minha mãe estava comigo e testemunhou isto tudo. Porque se eu estivesse sozinha e conta-se isto alguém, minguem acreditava em mim.



E não sei mesmo o que se passou comigo amigos. Eu posso estar a morrer e ainda não sei o que tenho.




Tânia.